E eu me demorar demais olhando os três pontinhos que ele tem na testa, talvez eu nunca mais vá embora. Ele tem olhos de afeto, castanhos, claros e calorosos, às vezes coloridos. Eu pergunto e ele me conta que depende do humor, eu fico corada e finjo estar distraída demais para ficar feliz. Os olhos familiares, que me rasgam, que escandalizam, que me desmancham, que são toda a paz e o caos, comigo são verdes!
Ele tem o cabelo cacheado e é bonito demais para alguém inteligente, sensível e capaz de arrancar meus risos altos. Tem as costas mais bonitas do mundo, mas esconde a tatuagem como se pedisse desculpas, e mal sabe ele que eu só quereria lambê-la. Ele tem dedos que quando transpassam os meus colocam rodinha em meus pés, eu deslizo sem sentir o chão, agarrada às nuvens. Ele tem mãos que quando se encostam a mim tornam tudo sutil, doce, feliz e, por Deus, tão certo.
Ele tem um quê meio hippie, ou de surfista, ou de menino do mato com um jeito bem sereno dentro de um homem que é tão homem, do tipo que dá vontade de morder, e eu mordo. Estende o braço na ladeira para que eu não caia nas pedrinhas, e ele nem sabe o quão gentil isso é. Ele poderia ter um lado playboy, mas eu o vejo descalço e em cores, com um brilho mais bonito que raios de sol no entardecer da primavera no dia do meu aniversário. Ele tem esse quê, que eu não sei, mas que provavelmente já foi escrito e está em algum rabisco jogado na gaveta ou talvez em uma melodia já ouvida antes. Sempre esteve ali.
Ele está em minha cama e não sabe que por dentro eu choro o espírito. Tenho devaneios. Ele não sabe por que de repente estou tímida, ou por que minhas sensações se tropeçam intransponíveis, desintegrando-me em fragilidades. Faz vinte e cinco anos que esperei pelo homem certo e não deu tempo. Estou sendo expulsa de mim, e quero voltar. O coração flameja, o silêncio alto se estilhaça, estou trancada do outro lado do meu corpo. Não deu tempo de achar as chaves corretas de mim. De ser adulta. Pode ser desastroso estar nua quando alguém também desnuda a sua alma.
Ele tem um olhar perdido de quem se defende como quem acredita ser, e nisso revela quem realmente é. Ele esconde o rosto em meu pescoço e de repente o homem mais independente do mundo está entregue à garota que faz poema até com seus pontinhos na testa. E é apenas por isso que, contraditoriamente, sinto-me livre, selvagem e primitiva. Inteira. E é apenas por isso que sei, que entre tantos corpos, e bocas, e jeitos, e almas, o que parece poeticamente desesperador, mesmo sem saber, seus olhos se voltaram dessa vez só para mim. Verdes.
Tem dez minutos que o táxi chama e eu não consigo ir embora. Com olhar choroso, sou a mulher mais menina de todos os tempos. E o que me dilacera tanto são os três pontinhos em sua testa. São as reticências de uma história que não se sabe como se termina. E continuará em mim, porque é só ele que tem, nos olhos, nas costas, na boca, um quê, de algo que ainda não deu tempo de escrever. Nem de ser.
VIA: CASAL SEM VERGONHA
http://www.casalsemvergonha.com.br/2014/02/04/ele-que-tem-uma-cronica-sobre-o-que-so-ele-faz-comigo/
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